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O movimento operário em Contagem,1968 - Uma análise crítica (parte 3)

A greve de Contagem em abril de 1968:

Uma avaliação polêmica (parte 3)


Na edição n. 17, de maio de 1968, o jornal Política Operária, do recém fundado Partido Operário Comunista [1], apresenta-se um balanço da experiência de Contagem. Há de se observar uma notável convergência entre a análise de Weffort, anteriormente exposta, e a posição do POC:


O movimento foi marcado pelo espontaneísmo, não tendo sido nem preparado nem dirigido pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Alguns diretores do Sindicato limitaram-se a auxiliar os operários e as comissões de greve que foram se formando. Enquanto isso, os trabalhadores começaram a se reunir no Sindicato, onde marcavam ponto todos os dias. E foi também no Sindicato que os operários se declararam em Assembleia Permanente enquanto os patrões não respondiam às suas exigências. (...) O espontaneísmo desta greve em Minas, que foi tão importante para o sucesso inicial do movimento, foi também o responsável pelo seu fim.


O sentido emprestado ao termo espontaneidade aparece em tintas mais fortes no trecho abaixo transcrito:


A greve foi ficando cada vez mais forte, estendendo-se das fábricas maiores às menores. Durante o movimento iam aparecendo novas lideranças, com visão de classe, que não confiam nos conchavos ou “diálogos” com os homens da burguesia e se baseavam mesmo na luta organizada da classe. Vemos assim que em qualquer luta, por mais espontânea que seja, toda consciência adquirida antes desempenha um papel importante: aqueles operários da Cidade Industrial que, de repente, explodiram contra a exploração sistemática de seu trabalho, de há muito que vinham assimilando as lições de tudo que se passava em volta. As experiências de pequenas paradas de trabalho contra atraso de pagamento, os esclarecimentos que lhes eram passados por companheiros mais conscientes, a compreensão de que nada podiam esperar dos governantes e dos patrões, as experiências das lutas dos estudantes: tudo isso foi amadurecendo na cabeça de todos aqueles trabalhadores cansados de vender por uma miséria o suado trabalho de suas mãos. Tudo isso contribuiu para que, num dado momento, toda a insatisfação acumulada se transformasse num movimento coletivo de revolta.


No jornal, menciona-se a assembleia na qual 6.700 participantes da greve responderam às ameaças de “guerra” e propostas de abono de 10% do ministro do Trabalho com uma prolongada vaia. A cada tentativa da ditadura, representada no ministro do Trabalho, de impedir o movimento, os operários reagiam com uma ação ousada. Assim, diante do impedimento do uso do salão do sindicato pela polícia, realizaram uma assembleia na delegacia do sindicato, na Cidade Industrial, em que, por 1.534 contra 40 votos dos sindicalizados com direito a voto, exigência da DRT, decidiram, com a aclamação dos 6.000 operários presentes, continuar a greve.


A conclusão da matéria, em que pese a avaliação de que faltou uma organização que dirigisse cada ação, apontando a necessidade das comissões de greve se transformarem em Comitês de Empresa, aposta na continuidade do movimento garantido pelo surgimento de nova lideranças reveladas na luta. A elas caberia a responsabilidade de preparar “cada pequena ação na perspectiva da greve geral.” [2]


Essa expectativa expressa-se de modo evidente no Informe Nacional n. 1, de agosto de 1968, do POC.  Sob o titulo de “A tarefa imediata do nosso Partido: propagar, agitar, preparar e dirigir a greve geral”, assim se fundamenta a pretensão:


Nossas análises políticas já tem mostrado o papel que a greve geral desempenha neste momento no conjunto da luta de classes no país. Depois da Cidade Industrial e de Osasco ela já ultrapassou a fase da agitação para entrar na fase de sua preparação efetiva. O exemplo ecoou em parcelas decisivas da classe que agora se preparam para conduzi-lo avante.


Decorriam daí diretrizes para o trabalho de agitação:


Na nossa agitação nas fábricas, com panfletos, boletins ou comícios-relâmpago, devemos tratar da greve geral. A agitação deve preparar no sentido de ganhar o maior número de operários para a ideia da greve. 


Eram atividades de um processo que incluía, adiante, para viabilizar a greve geral, a criação de “comandos gerais de greve em cada cidade”. [3]


Esse voluntarismo extremado que deslocava os militantes para fora da realidade pode ser explicado, em certa medida, como o resultado esquerdista advindo da forte pressão exercida no âmbito da Frente de Esquerda Revolucionaria (FER) e dentro do POC, pelos defensores da luta armada imediata em 1968. Era, por outro lado, manifestação do relativo isolamento do partido em relação aos centros da vida operária, nas fábricas e nos bairros. Nesse contexto, o exercício de palavras de ordem de ação, a exemplo da greve geral contra o arrocho salarial, acabava por redundar numa lista de chavões pontuados com exclamação.


O Informe Nacional n. 2, de outubro de 1968, rediscutiu a questão da greve geral fazendo reparos ao modo como foi formulada no Informe anterior. Sem abrir mão da palavra de ordem, critica o encaminhamento da greve geral como tarefa imediata. Desenvolve uma reflexão acerca da compreensão de que o arrocho salarial é simplesmente a exploração capitalista e que, em decorrência, somente um processo revolucionário derrubaria o arrocho. Alerta que somente pode fazer “essas acrobacias teóricas quem estiver bem distanciado da própria classe” e que o termo significa, para os operários, o conjunto as leis da ditadura que forçam os reajustes salariais a ficaram abaixo do custo de vida”. Outro argumento importante que combate é o de que “a burguesia não pode conceder mais do que concede atualmente sem comprometer toda a sua política econômica, uma visão economicista que subestima a força da luta de classes e, mais importante, de que, diante da greve geral, será capaz de por um fim a politica de arrocho para evitar a radicalização da luta operária, procurando “outras formas para acumular intensivamente a sua mais-valia”. [4]


A concessão à greve geral contra o arrocho se traduziu, naquelas circunstâncias, na organização de uma frente de esquerda para desencadear a segunda greve em Contagem, em outubro, com a reivindicação de 50% de aumento salarial e sem entrar em dissídio, greve duramente reprimida e nitidamente acima das possibilidades de luta do proletariado.


O peso da palavra de ordem da greve geral contra o arrocho na mobilização entre os militantes fez a direção nacional do POC deixar de lado, praticamente esquecer o problema do atrelamento do sindicato ao Estado burguês, nas condições daquele momento. Daí, possivelmente, a dificuldade de fazer um balanço da greve de Contagem em seus dois momentos.


Se, após a desocupação da Belgo-Mineira no dia 18 abril de 1968, os grevistas se dirigiram ao sindicato é porque este constituía uma forma de reagrupar forças e a garantia da negociação, quer dizer, da ação nos limites da legalidade. A comissão de greve assumiu (como vimos, de modo bastante precário) o papel de uma coordenação do movimento. Mas esta tarefa organizativa, vital na greve, em nenhum momento suscita, nos documentos mencionados, qualquer referência aos limites do sindicato como instrumento de luta de classe.


Em junho, Ernesto Martins (Érico Sachs) apresenta um texto ao Ativo Nacional Operário do POC, no qual se afirma taxativamente que a participação dos revolucionários nos sindicatos, tendo em vista o trabalho nas fábricas e a organização sob controle da base operária, teria a obrigação de dar passos concretos para quebrar a estrutura de atrelamento ao Estado, sem jamais aceitar cargos em diretorias sindicais. [5]


Pode-se dizer que as recomendações caíram em ouvidos moucos. No clima grevista da luta contra a ditadura militar não havia possibilidade de pensar o trabalho nos sindicatos como parte da tática de luta pela independência política do proletariado.


Alguns anos mais tarde, já no exílio, Ernesto Martins fez um balanço da luta de classes naquela época que, pela sua relevância, transcrevemos aqui:


Contagem ainda não era um setor de vanguarda, que sem dúvida repercutiu na classe, mas  que com exceção de Osasco, não encontrou imitadores.


A situação do proletariado piorou durante os anos seguintes. É preciso ver que não foi  somente o Ato-5, o arrocho geral de qualquer oposição à política da ditadura, o responsável  para esse estado de coisas. O AI-5 foi promulgado num momento em que o movimento de  massas já estava em refluxo. Além da repressão das greves, o regime tinha começado a  beneficiar-se da retomada das atividades econômicas, superando a crise cíclica, pela qual, o  capitalismo brasileiro tinha passado na década de 60. Esses fatores em si ainda não teriam  justificado o silêncio de cemitério, que no decorrer dos anos seguintes se impôs no terreno  das lutas de classes no país. Fases de expansão econômica não são forçosamente adversas ã  luta da classe operária, quando os métodos de trabalho dos revolucionários forem  apropriados (em muitos países as primeiras organizações do proletariado surgiram  justamente em fases de expansão econômica). Isso pressupõe das lideranças e dos quadros  um trabalho a prazo e não a contínua procura do confronto com o regime e com o sistema. No  nosso caso não houve esses movimentos coletivos. Prevaleceu a resignação do proletariado,  que em grande parte procurou soluções individuais, trocas de emprego, etc., para aliviar-se dos seus problemas.   Essa situação foi facilitada pela ação das esquerdas, que abandonaram a classe operária à  sua sorte. O PC, com sua política de “Frentes Amplas”, apoio à oposição burguesa e às  consequentes cisões internas praticamente tinha se tornado uma organização de classe  média. A chamada ER, que na primeira ocasião se tornara militarista, não só afastou-se  completamente do proletariado, como arrastou grande parte de quadros e bases operarias  para a derrota. A pequena minoria, finalmente, que não seguiu esses caminhos (e aqui não  estamos nos referindo só a nós), além da sua fraqueza numérica, por sua vez teve dificuldades  de adaptação à nova situação criada. Como resultado da situação geral, o proletariado  brasileiro, durante anos foi exposto à pressão e a influencia unilateral do regime militar, sem  que a esquerda pudesse contrapor algo a esse monopólio. Embora o regime não conseguisse  conquistar a classe operária - nem sequer chegou a criar bases no seio dela - conseguiu neutralizá-la por muito tempo, condenando-a a uma passividade prolongada. [6]


A ruptura dessa situação veio em 1978, mas esse é outro capítulo da história da luta operária no Brasil.


João Ferreira

Abril de 2024

 




Notas


[1] O Partido Operário Comunista (POC) foi o resultado da fusão entre a ORM-Polop e a Dissidência Leninista do PCB no Rio Grande do Sul.


[2] Jornal “Política Operária”, n.17 maio de 1968 – POC. Acervo CEDEM/microfilmes 1975-1982.


[2] Informe Nacional n. 1, agosto de 1968  – POC. Acervo CEDEM/Microfilmes 0816-0825).

 

[4]  Informe Nacional n.2, outubro de 1968 – POC. Acervo CEDEM/Microfilmes 0826-0827)



 

Livros citados


Luís Flávio Rainho e Oswaldo Martines Bargas. As lutas operárias e sindicais dos metalúrgicos em São Bernardo. FG/Associação Beneficente e Cultural dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. São Bernardo, 1983.


Magda de Almeida Neves. Trabalho e cidadania: as trabalhadoras de Contagem. Petrópolis: Vozes, 1995.


Victor Meyer. Frágua inovadora: o tormentoso percurso da Polop, 1999. Disponível em


Yonne Grossi. As greves de Contagem - 1968: notas para uma revisão crítica. Cadernos dos Movimento Populares Urbanos. Belo Horizonte: DCP/FAFICH/UFMG, n.1, 1979.

 




Foto de capa: Metalúrgicos da Belgo-Mineira, MG. Abril de 1968. Apesp/Fundo Última Hora. Apud:IIEP, 2014, p.50.

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