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O movimento sindical e o governo Trump

  • eduardostotz
  • 7 de abr.
  • 8 min de leitura

Apresentação


A extrema direita que assume com Trump o governo do centro hegemônico do imperialismo anunciou, logo nos primeiros dias, um estrepitoso e surpreendente tarifaço sobre os principais parceiros comerciais dos EUA. O fim abrupto e unilateral dos acordos comerciais com o Canadá e México, vigentes até o governo anterior, provocou uma reação imediata dos porta-vozes do capital financeiro, como o Wall Street Journal, declarando ser esta uma guerra comercial idiota. Os comentários destacam o absurdo do aumento de 25% das taxas de importação oriundas daqueles países, enquanto a China,  o inimigo principal, era alvo de um aumento de apenas 10%. 


A análise das consequências econômicas da medida, como o agravamento da inflação e a perda de competitividade da economia, foi acompanhada do abandono da defesa do livre mercado, essencial para o capitalismo. Assim, Trump estaria ignorando o pressuposto das vantagens comparativas de cada país na divisão internacional do trabalho, um dogma em matéria de economia vigente desde sua formulação por David Ricardo na obra Princípios da Economia Política e tributação (1817). Tais vantagens estariam baseadas principalmente na produtividade relativa da produção industrial e agrícola de cada país. Obviamente deixa-se de lado o aspecto central, a saber, a “vantagem” dos salários mais baixos ou da exploração da força de trabalho nesses países, aspecto destacado por Marx em sua crítica a Ricardo nas Teorias da Mais-Valia.


Assinale-se, porém, nesse contexto, a ausência de medidas capazes de afetar o fluxo de capital que sustenta a trilionária dívida pública norte-americana e a dinâmica da dominação do dólar na economia mundial. A contínua expansão do capital financeiro, contudo, exige a “salvaguarda” da produção material, sem o que a taxa de lucro não se realiza. É o que explica o peso do Silicon Valley dentro do gigantesco setor da indústria bélica e aeroespacial.


O caráter político da guerra comercial


A exclusividade da análise do caráter econômico da "guerra comercial" de Trump perde de vista, porém, a dimensão política da medida. Assim, o problema da balança comercial deficitária dos EUA, sobretudo com os países apontados, dificilmente tem por objetivo a reindustrialização nacional, inviável no curto e médio prazo. Ao contrário, a imposição de tarifas cumpre outros papéis: o de subordinar Canadá e México aos ditames da potência imperialista e, simultaneamente, o de favorecer a unidade nacional dos norte-americanos em torno da meta de tornar os EUA grande novamente (Make America Great Again).


Em outros termos, enquanto Clinton cunhou a frase “É a economia, estúpido” para explicar a sua vitória eleitoral sobre George Bush em 1992, Trump agora poderia alegar “É a política, estúpido”. Esta unidade entre a política externa e a política interna revela-se, inclusive, na posição do governo estadunidense face à guerra na Ucrânia, quando se pensa os “termos de troca” apresentados pelos EUA: manutenção do apoio militar àquele país nas novas fronteiras com a Rússia condicionada ao acesso às “terras raras” [1], matérias-primas críticas para a nova indústria de motores elétricos, em expansão no Sun Belt, região que se estende da Flórida à Califórnia. [2]


Vale ressaltar, nesse segundo aspecto, que a outra medida política, o controle sobre a imigração "ilegal", em resposta às bases eleitorais de Trump entre os trabalhadores, constitui uma importante forma de reforçar o nacionalismo mediante a divisão entre os trabalhadores. [3]

A unidade nacional numa sociedade dividida em classes hostis sempre funciona como uma arregimentação do trabalho aos ditames do capital.


O alinhamento “defensivo” da UAW


Em 4 de março de 2025 a UAW – sigla da United Automobilie, Aerospace and Agriculture Implemenents Workers of America – publicou uma posição favorável à política tarifária do novo governo Trump, com o entendimento de serem as tarifas “uma ferramenta poderosa na caixa de ferramentas para desfazer a injustiça dos acordos comerciais antitrabalhadores.”


A UAW, com o alinhamento ao tarifaço, espera, em consequência, “uma ação séria [do governo] que incentive as empresas a mudar seu comportamento, reinvestir na América e parar de enganar o trabalhador americano, o consumidor americano e o contribuinte americano.” [4] 


A pretensão de justiça sob a exploração capitalista,  na esperança de moldar tarifas para beneficiar a classe trabalhadora face à pratica histórica das empresas, exclusivamente voltada para aumentar as suas taxas de lucro,  sugere uma reinterpretação do nacionalismo, principalmente para evitar o isolamento da UAW em relação a grande maioria dos trabalhadores, especialmente na região sul do país onde se encontra a maior parte da indústria sem sindicalização dos trabalhadores e, portanto, sem contratos coletivos de trabalho reivindicados por sindicatos. Mas, certamente, a nota também considera a adesão mais entusiástica do sindicato nacional dos caminhoneiros às novas medidas contra os imigrantes “ilegais” responsabilizados pela criminalidade e roubo de empregos.


Se o capital desconhece, do ponto de vista econômico, fronteiras nacionais, as condições em que se encontram os trabalhadores diante do capital em cada país e mesmo dentro de cada país, constituem a base da acumulação de capital, ou seja, da exploração da força de trabalho. A competição entre os operários sindicalizados do norte e os não sindicalizados do sul é essencial nesse processo econômico que sofre a interferência governamental sobre o comércio. De acordo com Andrew Elrod, no artigo "Definindo o ritmo no setor automotivo: pensando além das tarifas", no ano de "2023, pela primeira vez na história, as montadoras não sindicalizadas superaram as 3 Grandes na produção de veículos nos EUA, com 4,9 milhões de veículos contra 4,6 milhões, respectivamente." [5]


 O processo remonta ao governo de Reagan, nos anos 1980, quando instituiu cotas de importação para as automobilísticas japonesas e aponta para a permanência da situação na atualidade:


Mas, acima de tudo, a competição se desenrolou de forma tão destrutiva para os trabalhadores porque o mercado de veículos novos dos EUA estava, e continua a estar, saturado. A indústria sofre de excesso de capacidade: as marcas de automóveis são capazes de produzir mais veículos do que poderiam vender. O excesso de capacidade as leva a uma competição acirrada, para buscar custos mais baixos de qualquer maneira possível.


As indústrias localizadas no sul do país permitem esse afã capitalista devido aos salários e benefícios mais baixos e a ausência de sindicalização, inclusive no México:


Foi a competição de preços entre empresas sindicalizadas e não sindicalizadas que impulsionou o crescimento do setor de trabalhadores de baixa remuneração, mas altamente qualificados, no México. 


Essa dimensão política da “guerra comercial” relacionada à sindicalização e ao direito de greve não deixa de ser percebida pela UAW. Na campanha eleitoral de 2024, durante a qual apoiaram Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata, o sindicato nacional entrou com ação trabalhista no National Labor Relations Board contra Trump e Musk por aplaudirem publicamente a prática de demissão de empregados que ameaçaram fazer greve, direito assegurado constitucionalmente. [6]


O impedimento do direito de greve é agora praticamente imposto quando o governo Trump paralisa o funcionamento das instâncias governamentais (no caso o National Labor Relations Board), simplesmente deixando de nomear os cargos diretivos. 


Os trabalhadores rapidamente irão perceber que a aplicação da lei depende da correlação de forças entre capital e trabalho. As denúncias contra as empresas Volkswagen no Tennessee, Mack Truks na Pensilvania e a ação de Trump contra os sindicatos dos agentes de segurança nos aeroportos demonstram, desde já, a ilusão de esperar alguma “ação séria” por parte do governo, antes pelo contrário. [7]


A luta é a única certeza


Uma das posições da esquerda sobre a nota e a decisão de Shaw Fain de “atuar com Trump no comércio de importação” foi manifestada por Jeffery Hermanson em artigo publicado na Labor Notes. [8]


Ele observa pertinentemente que os sindicatos “corruptos” , não independentes e democráticos, ainda controlam a maioria dos contratos coletivos na maioria das indústrias. Mas ao considerar a ausência de uma aliança sindical dos trabalhadores nas mesmas indústrias dos EUA, Canadá e México como explicação para esse quadro, declarando que a solidariedade internacional é a resposta ao governo Trump atual, deixa de lado o essencial: a falta da organização independente dos operários, a começar do chão de fábrica.


A solidariedade não pode ficar reduzida às tratativas de uma ação “transfronteiriça” articuladas pelos sindicatos, tem de mobilizar as bases fabris com a garantia de sua organização própria. Sem essa premissa, a pretensa construção de um “poder para confrontar as corporações multinacionais”, em busca de seu controle para “determinar decisões de investimento e emprego” formulada por Jeffrey Hermanson, não passa da uma abstração, de uma alternativa ilusória que traduz o programa de transição da IV Internacional para o movimento sindical, sem enfrentar as difíceis condições de mobilização independente dos trabalhadores nas condições atuais, dentro dos limites do Estado-nação norte-americano e da dominante influência do nacionalismo que prenuncia, sob a forma da guerra comercial e defesa dos “bons empregos”, a verdadeira guerra em preparação.


A organização independente na base, criada pelos próprios operários em suas lutas e demandas, constitui um dos pressupostos para uma atuação política independente, uma vez que as massas operárias precisam aprender por conta própria quem são seus amigos e inimigos, discernindo os matizes da mesma cor no sistema político burguês vigente nos EUA e tomando consciência de que a oposição à exploração capitalista implica no questionamento da ordem burguesa estabelecida. Esse questionamento pode começar pela defesa do direito de greve, com o seu exercício na prática e também pela mobilização política, assim como a transformação dos sindicatos em efetivos instrumentos de luta. A defesa desses direitos, ainda inscritos na ordem burguesa, faz parte do caminho — duro, difícil, implacável — para o proletariado constituir-se em partido político próprio, e, no qual se descobre como classe separada e oposta à sociedade burguesa.


A mobilização independente  é um passo político fundamental para inaugurar uma nova história da luta operária nos EUA, com seus efeitos sobre o conjunto dos trabalhadores nesse país e no mundo. Um passo a ser dado pelos próprios trabalhadores.


Se, como afirmamos, a única certeza é a luta, então o movimento atual dos trabalhadores dos serviços públicos federais demitidos pelo governo Trump, pode sinalizar, num contexto inflacionário provocado pela "guerra comercial", uma mobilização mais ampla, incluindo os trabalhadores do setor privado.



Notas


[1] O controle estadunidense sobre as terras raras na Ucrânia, na Groenlândia  e na República do Congo, resulta da situação de dependência  da importação de 15 minerais críticos, sendo 70% da China (ver matéria “Trump evoca emergência para produção de mineral”, de Valor, 21/03/25)


[2] Esta unidade entre a política externa e interna é percebida por Dominik Leusder: “O declínio do emprego industrial é visto como a raiz do mal-estar do país, e o comércio, especificamente a relação comercial dos EUA com a China, é o principal impulsionador desse declínio. Essa teoria da crise é amplamente bipartidária. O consenso é evidenciado pelo casamento trumpiano do governo Biden entre política de segurança nacional e política industrial em conjunto com restrições comerciais impostas com o objetivo explícito de impedir o desenvolvimento tecnológico da China.”  Jacobin, 28.01.2025, disponivel em Tariffs Are a Costly Nonsolution to the US’s Social Crisis.


[3] De acordo com João Felipe R de Carvalho, em “Sun Belt, o calor extremo de 2023 e o impacto na vida dos trabalhadores latinos”, o sul do país abriga cerca de 45 milhões de cidadãos latinos, parcela significativa dos 62 milhões totais do país registrados pelo censo demográfico de 2020. Ver < https://www.opeu.org.br/2023/11/10/sun-belt-o-calor-extremo-de-2023-e-o-impacto-na-vida-dos-trabalhadores-latinos/ > em Latino Observatory e também “Mitos sobre imigração alimentam divisões entre trabalhadores”, de Aviva Chomsky  em < https://labornotes.org/2025/02/immigration-myths-feed-divisions-among-workers>


[4] Declaração da UAW sobre a nova ação tarifária, disponível em <https://uaw.org/uaw-statement-on-new-tariff-action/>




[7] Para quem não domina a língua inglesa, a tradução automática do texto na internet permite uma compreensão bastante razoável das matérias.


[8] Ver, a propósito, a crítica a esta posição da UAW em <https://labornotes.org/blogs/2025/02/international-solidarity-union-answer-tariffs >



 

Imagem de capa: Labor Notes

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