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Viva a Comuna!

A imagem que ilustra esta postagem foi feita durante uma manifestação dos operários da construção civil em homenagem a seus antepassados, assassinados pela repressão burguesa contra a Comuna de Paris, na comemoração dos 150 anos decorridos à época. Depreendemos este sentido do evento pela legenda da faixa carregada pelos trabalhadores, em primeiro plano. Os rostos de duas lideranças expressivas, o de Eugène Varlin (internacionalista) e Louise Michel (anarquista) impressos em cartazes se destacam na imagem no lado esquerdo, um pouco atrás. Confirmam-se, nesses registros, as palavras de Karl Marx proferidas logo após a derrota:


Os trabalhadores de Paris, com a sua Comuna, serão para sempre celebrados como o glorioso arauto de uma nova sociedade. Os seus mártires estão conservados no relicário do grande coração da classe trabalhadora. A história dos carrascos que os massacraram já foi pendurada àquele eterno pelourinho, de onde todas as orações dos seus padres não serão capazes de redimi-los. (Guerra civil na França, 1871)


Neste 15 de maio em que publicamos a presente postagem estava em curso, há 152 anos, o confronto entre a experiência revolucionária inaugural de tomada do poder da classe operária e a reação burguesa, que terminaria se impondo. Fato é que a Comuna de Paris, tentando “tomar de assalto o céu” (Marx), assombrou o mundo e provocou intenso terror na burguesia.


A iniciativa operária, sob uma liderança ampla e dividida entre anarquistas, internacionalistas (“marxistas”), blanquistas e prodhounistas, insere-se no contexto de lutas de classes que remontam a junho de 1848, quando ela assumiu uma posição de classe contra a ordem burguesa na França. Derrotada, a classe operária retomou a frente da batalha em 1871, quando a burguesia, sob o governo de Napoleão III, capitulou e entregou o país ao império prussiano, vencedor na guerra dinástica (1870-1871) atrás da qual os interesses capitalistas se afirmavam. A proclamação da República, que se seguiu ao fim do império napoleônico, se fez em nome da defesa da França; não passou, porém, de uma farsa conduzida pelos representantes da burguesia. Ao recusar a capitulação, os operários e operárias fizeram-na não como um ato patriótico em si, capaz inclusive de salvaguardar os negócios dos magnatas franceses, mas como atores de um processo político e social no qual, sendo obrigados a destruir os limites dessa ordem, descobriram-se como classe revolucionária.


A primeira conquista histórica de caráter universal da Comuna foi o poder político; porém não o tomou tal como é, ou seja, como uma máquina de Estado centralizada e organizada de modo sistemático, por uma divisão de trabalho entre exército permanente, polícia, burocracia administrativa, clero e magistratura (judiciário). Pelo contrário, destruiu essa máquina e em seu lugar construiu um órgão simultaneamente executivo e legislativo, eleito diretamente nos bairros da cidade. Esse órgão, constituído pelos conselheiros municipais com mandatos revogáveis a qualquer momento, suprimiu o exército permanente, substituindo-o pelo povo em armas.


Karl Marx, na qualidade de dirigente da Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) analisou esse processo revolucionário em sua obra "A Guerra Civil na França".


Dentre as várias medidas tomadas pela Comuna no breve período de sua existência (19 de março a 28 de maio de 1871) podemos citar a redução da jornada de trabalho, o fim do trabalho noturno, a legalização dos sindicatos, a desapropriação das residências vazias, a abolição do monopólio da defesa da lei pelos advogados, a gratuidade do processo judicial e a eleição direta dos juízes, a extinção da pena de morte, a separação entre a Igreja e o Estado, com o fim da subvenção estatal ao clero, a educação gratuita, secular e obrigatória com o caráter misto das turmas nas escola e a igualdade entre os gêneros.


O nome de Louise Michel se destaca na afirmação da igualdade entre os gêneros. Se as mulheres já haviam se levantado desde a revolução burguesa de 1789, na Comuna elas puderam empunhar armas e combater nas linhas de frente.


A experiência terminou com o massacre causado pela contrarrevolução burguesa, numa união entre os porta-vozes das burguesias francesa (Thiers) e alemã (Bismarck). Este último concedeu aproximadamente 60 mil soldados franceses presos pela Prússia, favorecendo o cerco de Paris e a chacina sanguinolenta dos communards pelas tropas contrarrevolucionárias.


Os feitos da Comuna projetaram-se no século seguinte e continuam a encontrar eco em nossos dias. Uma história da Comuna foi escrita imediatamente após os eventos por Prosper-Olivier Lissagaray, um dos revolucionários sobreviventes, com apoio de Marx, tendo sua filha adolescente Eleanor Marx traduzido a obra para a língua inglesa, e um tempo depois por Louise Michel. Ambos textos estão disponíveis na Biblioteca Socialista.



Louise Michel e Eugène Varlin


Relembremos a luta dos communards declamando em voz alta os versos do poema* com que o dramaturgo alemão Bertolt Brech encena a sessão de 19 de março de 1871, na sua peça Os dias da Comuna (1949):


Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram

Suas leis, para nos escravizarem.

As leis não mais serão respeitadas

Considerando que não queremos mais ser escravos.


Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e com canhões

Nós decidimos: de agora em diante

Temeremos mais a miséria do que a morte.


Consideramos que ficaremos famintos

Se suportarmos que continuem nos roubando

Queremos deixar bem claro que são apenas vidraças

Que nos separam deste bom pão que nos falta.


Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e canhões

Nós decidimos, de agora em diante

Temeremos mais a miséria que a morte.


Considerando que existem grandes mansões

Enquanto os senhores nos deixam sem teto

Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos

Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.


Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e canhões

Nós decidimos, de agora em diante

Temeremos mais a miséria do que a morte.


Considerando que está sobrando carvão

Enquanto nós gelamos de frio por falta de carvão

Nós decidimos que vamos toma-lo

Considerando que ele nos aquecerá.


Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e canhões

Nós decidimos, de agora em diante

Temeremos mais a miséria do que a morte.


Considerando que para os senhores não é possível

Nos pagarem um salário justo

Tomaremos nós mesmos as fábricas

Considerando que sem os senhores, tudo será melhor para nós.


Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e canhões

Nós decidimos: de agora em diante

Temeremos mais a miséria que a morte.


Considerando que o que o governo nos promete

Está muito longe de nos inspirar confiança

Nós decidimos tomar o poder

Para podermos levar uma vida melhor.


Considerando: vocês escutam os canhões

Outra linguagem não conseguem compreender

Deveremos então, sim, isso valerá a pena

Apontar os canhões contra os senhores!


* Tradução de Fernando Peixoto. Bertolt Brech. Teatro Completo – 10 (Os dias da Comuna). São Paulo: Paz e Terra, 1993.

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