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É um dinheirinho que se ganha (O horizonte social pequeno-burguês)

...Eu levei as minhas filhas pro Arraial do Cabo. Elas queriam passear de barco, conhecer a Gruta Azul e a Ilha do Farol. Então fomos. O cara lá, falando...eu só ouvindo. Depois, disse prá elas: não é nada disso. Ah, se eu tivesse um barquinho. Porque você sabe, eu tenho carteira de pescador pela Marinha. Mas o que vale é o dono do barco. Quer ver? Um cara lá da (não consegui ouvir o nome da localidade) tinha uma traineira. Fazia o trecho Praia Seca-Araruama. Em alta temporada, cobrava 150 de uma família. Juntava uma grana. Passado um tempo construiu uma casinha, aí botou prá alugar. Um filho conseguiu comprar uma moto, logo tava trabalhando de aplicativo. É um dinheirinho a mais que se ganha.


(É sabido que a dominação é mais forte quando a ideologia dominante é interiorizada pelo dominado como se fosse a sua. De acordo com a narrativa acima, pode-se deduzir que, estando o operário completamente despossuído dos meios de produção, a única possibilidade de ascensão social para ele é a de alcançar a condição da pequena-burguesia. A aspiração ao lazer, a que todos deveriam ter acesso, apresenta-se vinculada a esta condição.  Procurar ascender socialmente está permanentemente na cabeça dos operários, enquanto não luta numa perspectiva de classe. A condição operária é percebida como a de uma escravidão assalariada temporária, principalmente porque a intensa exploração reduz o tempo de vida útil da força de trabalho submetida ao capital. Logo ele será descartado, tal como o bagaço da cana-de-açúcar nas moendas. O operário sabe disso e sonha com a possibilidade de pegar o dinheiro da demissão para organizar um pequeno negócio. Mesmo para os poucos que conseguem realizar esse sonho, a experiência, transmitida, deixa marca indelével, como nesta conversa entre um motorista de ônibus e um passageiro amigo dele a que pude assistir e anotar. Esta curta conversa se repete aos milhares, todos os dias, em todas as partes. Não é principalmente a propaganda formal, mas o entrelaçamento de opiniões trocadas espontaneamente que reforça imensamente a dominação capitalista, ao expressar a ideia de ascensão social, de sair da condição operária e de "ser o próprio patrão". Por outro lado, alguns companheir@s procuram diferenciar o sindicalismo que praticam pela posição de "luta contra o capital". Esta luta pode ser apenas econômica, se a perspectiva estiver limitada, como tem sido até o momento, a de arrancar - cada vez menos, aliás - concessões a um capitalista ou mesmo grupo de capitalistas de determinado setor. Quer dizer, se não for a de um enfrentamento do conjunto dos capitalistas, de uma luta de caráter político pois envolve necessariamente o Estado. Então o horizonte social do operário continua a ser pequeno-burguês, pois a luta de classes não "acontece". Como agir nessas circunstâncias é um assunto a merecer maior reflexão e debate. Enquanto eu pensava essas coisas, o ônibus parou e o passageiro disse, na porta aberta para ele descer:)


- Valeu, irmão! Passa lá em casa no domingo pra gente tomar uma cervejinha. Até a próxima!


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